Na casa de Santo Ananias em Damasco, onde não morre a esperança | Custodia Terrae Sanctae

Na casa de Santo Ananias em Damasco, onde não morre a esperança

House of St. Anania, Damascus 2019, ©Pro Terra Sancta
House of St. Anania, Damascus 2019, ©Pro Terra Sancta

“Desde o início da guerra, cada dia rezamos pela paz na Síria. Vivemos com a esperança de que tudo continue e que serão mudadas também nossas dificuldades de hoje”. A afirmá-lo é Fr. Atif Falah, frade franciscano da Custódia da Terra Santa e responsável pelo santuário da casa de Santo Ananias, em Damasco. No dia 01 de outubro é dia de Santo Ananias e, por ocasião da memória do santo, uma missa solene foi celebrada no santuário custodiado pelos franciscanos, que se situa dentro dos muros antigos da cidade, no Sul da Síria. 

A figura de Ananias na Bíblia aparece no livro dos Atos dos Apóstolos (At 9, 1-26; 22, 4-16) e tem um papel importante, sendo o designado a batizar S. Paulo, depois de sua conversão. “A tradição oriental inclui Santo Ananias entre os 72 discípulos de quem Lucas fala (Lc 10,1), entre aqueles que chegaram a Damasco depois do apedrejamento de Santo Estêvão - explica Fr. Atif -. Santo Ananias foi o primeiro Bispo de Damasco e primeiro mártir de Damasco”. Na verdade, foi preso pelo Governador Licínio e condenado à morte, ao evangelizar a Síria. Seus restos mortais, depois, foram transportados a Roma e, hoje, se encontram na Basílica de S. Paulo. Em Damasco existe ainda a casa de Santo Ananias, uma cripta com duas salas, acessíveis por escada de vinte e três degraus. Na verdade, foram os entulhos que se acumularam, no decorrer dos séculos, que determinaram a elevação do terreno nesta parte da cidade de Damasco. 

Algumas testemunhas confirmam que, desde cedo, a casa de Ananias se tornou lugar de peregrinação e oração para os primeiros cristãos, por isso – como em outros Lugares Santos, ligados à vida de Jesus – o Imperador Adriano mandou construir um templo pagão, a fim de afastar a veneração dos cristãos. A Casa acha-se sobre os restos da igreja bizantina da Santa Cruz, do século V, descoberta durante as escavações feitas pelo Conde Eustáquio De Lorey, em 1921. 

Em 1347, pelo testemunho do franciscano Poggibonsi, sabemos que a igreja foi convertida em mesquita e, apenas em seguida, foi cedida aos cristãos. Segundo o escritor árabe Ibn Shaker, o Califa Walid I a deu em troca da igreja de S. João Batista, tornada parte da mesquita dos Omaíades, hoje, principal lugar de culto de Damasco. Nos séculos seguintes, a casa de Santo Ananias tornou-se lugar de veneração para os cristãos e os turcos, como afirma o Frade franciscano Antônio Di Castillo: “Os turcos, que a cuidaram, têm muitas lâmpadas acesas”.  

No fim do século doze, a casa de Ananias foi novamente convertida em Mesquita, até que, no ano 1820, a Custódia da Terra Santa obteve a restituição dela. A capela foi reconstruída em 1867 (havia sido demolida em 1860), e reestruturada, em 1973.

Em Damasco acha-se também o lugar em que a tradição coloca o episódio da conversão de S. Paulo, no bairro Al Tabbaleh, onde os franciscanos da Custódia da Terra Santa haviam edificado uma capela, em 1925. Em seu lugar foi inaugurado, em 1971, por desejo do Papa Paulo VI, o Memorial de S. Paulo, que é o segundo santuário da Síria, mantido pelos Franciscanos. 

“A Casa Mãe de nós Franciscanos da Custódia da Terra Santa encontra-se dentro dos muros da cidade velha”, diz Fr. Bahjat Karakach, superior do convento. Em Damasco, hoje, estão a serviço seis Frades, distribuídos nas duas paróquias, uma dedicada à conversão de S. Paulo e outra a Santo Antônio de Pádua. Os Franciscanos dedicam-se a animar e a zelar pelos dois santuários, além dos cristãos locais. “Os fiéis do rito latino, em Damasco, são umas 300 famílias, mas são, em grande parte, idosos que permanecem – explica Fr. Bahjat -. Muitos jovens abandonaram o país durante esses anos de guerra”.

As privações da pandemia Covid - 19 agravaram a situação já difícil na Síria, mesmo que seja já difícil crer nos dados oficiais, pela falta de tampões que podem efetuar. “Em Damasco, em agosto, eu e outros três Frades fomos atacados pelo Covid-19, mas, graças a Deus, estamos curados. Dois Frades da Fraternidade de Aleppo, infelizmente, faleceram”.

Hoje, em Damasco, a vida é muito difícil, conta Fr. Bahjat: “O combustível está em falta e são quilômetros com filas nos postos. Há forte senso de desespero e muitos esperam que as fronteiras sejam abertas para fugir. A gente está esausta. Agora, com a chegada do inverno, já sabemos, haverá falta de combustível para o aquecimento. A energia elétrica vem e vai. Também a falta de pão, distribuído diretamente pelo estado sírio, está reduzido. Com as sanções impostas, o país não consegue voltar à economia: a lira síria perdeu seu valor e os preços estão altíssimos. A gente não vê um horizonte e devemos viver uma situação de emergência pior do que aquele que houve durante os bombardeios na guerra. Além disso, as crises no Líbano muito influenciaram na Síria, porque muitos sírios trabalham no Líbano e assim, hoje, esses trabalhadores não conseguem ajudar suas famílias na Síria. Também todas as ajudas passavam pelo Líbano, mas agora o Líbano está de joelhos”. 

Diante de tanto sofrimento, os Franciscanos da Custódia, graças também à ajuda da  Ong Pro Terra Sancta, procuram oferecer apoio à população, com um centro de emergência que trabalha há quatro anos e ajuda a cerca de 4000 famílias com voucher para adquirir alimentos. Também oferece remédios a uns 300 pacientes, além de ajudar a quem deve passar por intervenções cirúrgicas. Pequenas somas de dinheiro servem para ajudar estudantes universitários, assim como doações de leite para recém-nascidos e cursos para administrar a casa ou para entrar no mercado de trabalho. Fundamentais são também os cursos de apoio psicológico para crianças e adolescentes e cursos de música para os mais jovens.

“Tudo parece difícil e é difícil manter a esperança - confessa Fr. Bahjat -. No último encontro que tive com os catequistas falei claramente. Colocar nossa esperança num melhoramento da situação, parece mais utópico agora. Não podemos fazer outra coisa a não ser considerar nossa presença aqui como missão de quem precisa viver o preço de carregar pesada cruz. A esperança não exclui sofrimento, mas de alguma forma ela integra. Precisa, porém, algo de concreto para poder dizer aos jovens para que permaneçam aqui”. 

“Hoje, há necessidade de tudo”, segundo o Frade da Custódia em Damasco, mas sobretudo é importante que se continue a falar da Síria. “Muita vez, a gente esquece a situação da Síria ou as notícias são parciais - afirma -. Meu desejo é que se fale mais da comunidade cristã da Síria, que é a mais antiga do mundo. Além disso, temos necessidade da comunicação internacional para que a Síria seja reintegrada no panorama mundial. Como se pode dar esperança se o país não pode ser reconstruído? Podeis ajudar-nos com a oração e com sustento econômico e moral”.

 

 

Beatrice Guarrera